Quem me conhece sabe (risos) que as duas artes que mais amo são literatura e música. Embora eu conserve vários filmes como meus favoritos da vida e que me representam em minhas fases, assim como os livros/leituras e músicas/artistas que ouço. Então às vezes um filme com essa carga emocional grande aparece na minha vida.
Um mês atrás assisti no cinema Dias Perfeitos, de Wim Wenders. E não consigo mais parar de pensar nele. Acabei indo assistir no domingo retrasado no cinema de novo; e esse mês de abril ele estreia no Mubi, dia 12, assim para mais uma sessão, desta vez em casa. E sei que vou continuar por muito tempo, pois irei assistir diversas vezes ao longo da vida, até o dia que alguém perguntar quantas vezes assisti esse filme e eu disser “mais de 50 ”.
Fazia muitos anos que um filme não me tocava com tanto fervor e deslumbramento como esse. O último que me lembro acho que foi Questão de Tempo, e ele é de 2013! Pois é.
Com Dias Perfeitos não foi só a história, nem a fotografia, nem as atuações ou a direção em si que me arrebataram, foi a mistura de tudo isso e a trilha sonora. Aqui ela é muito, mas muito importante, pois as músicas escolhidas por Wenders tem todo o encaixe perfeito para contar a história e levar a gente ao deslumbramento de cada significado dessas músicas em cada momento em que elas são usadas.
As letras se entrelaçam com os acontecimentos, e mais do que isso, com os sentimentos que o protagonista passa por meio de suas expressões, pois ele mal fala e não podemos ouvir seus pensamentos, mas está ali, nas músicas das fitas k7 que ele ouve em seu furgão do trabalho, ou no rádio em casa.
Uma boa alma juntou as 10 músicas presentes e colocou em uma playlist em ordem que aparecem no filme. Sugiro que só ouçam quando já tiverem assistido ao filme, mas é só uma dica.
Hirayama tem uma vida pacata, sem muitos acontecimentos na sua vidinha cotidiana, não fosse o fato da diferença ser que ele limpa banheiros públicos. Em Tóquio. Um dos tantos trabalhos mal reconhecidos pelos outros — assim como alguns tipos de arte, como a escrita, por exemplo? —, que só por não ter glamour, ser “fácil” ou comum não é respeitado. Mas ele faz o trabalho dele muito bem e no meio disso aproveita cada momento do seu dia com respeito por todos os segundos gastos com contemplação e deslumbramento pela vida que leva.
Fiquei pensando muito nessa maneira de ver o mundo. Ele não se apega a tecnologias, muito pelo contrário. Meio que parou no tempo com suas fitas k7, a máquina fotográfica analógica e o celular flip, usado apenas para ligações urgentes.
Já disse em edições passadas em como gosto de tentar me desconectar um pouco do online, para que eu consiga pensar sobre as coisas que observo e absorvo do mundo. Tentar ser mais analógica, ver que o mundo não tem nada a ver com a internet, ela é só uma minúscula parte disso tudo que são os “mundos” que existem no nosso mundo.
Um livro, andar de bicicleta, aproveitar sua refeição. Não temos muito mais a capacidade de nos conectar com a espiritualidade que existe nesses momentos, que podem ser sagrados, e nos levam a uma calma e desprendimento do mundano. Não que seja errado gostar das coisas, ter objetos e querer possuir bens materiais, só que a gente esquece de apreciar com mais significado cada uma desses momentos como um tesouro que nos foi entregue pela vida de todo dia.
A gente fica tão envolto em trabalhar (no automático) e ter que fazer as coisas que esquece de parar para respirar, retratar a luz pela copa das árvores, observar a vida acontecendo, das pessoas andando na rua e vivendo também. Quantas coisas acontecem em apenas um segundo do nosso dia que nem ficamos sabendo.
Mas o trabalho (feito com calma) também pode ser um jeito de apreciar o que nos satisfaz. Como limpador de banheiros, nosso protagonista dedica-se ao máximo para que tudo fique perfeitamente limpo, e assim é sua relação com seus hobbys e dias de descanso. Como em uma música as melodias se entrelaçam, a dedicação em seu trabalho e rotina é importante para o sentimento de realização.
Essa obra me tocou de maneira profunda, pois eu estava esquecendo de todas essas coisas e lá no fundo eu sei que elas existem.
Komorebi (木漏れ日) é um termo em japonês que significa uma das coisas mais belas que já tive oportunidade de entender: os fios de luzes que perpassam pelas copas das árvores em movimento pelo vento. O exato momento em que eles atingem algo, nesse momento de luz o komorebi se faz.
No filme, Hirayama fotografa todos os dias os komorebi que vê pela mesma árvore, ao que mais tarde sua sobrinha afirma que aquela árvore é sua amiga e ele concorda. O relacionamento que se tem com a vida em diversas formas é uma maneira bela de nos encantarmos pelos outros, mesmo que mais por fora do que intimamente, mas de qualquer modo é uma construção de entendimento de si mesmo, e também do outro.
Ao observar as pequenas belezas do cotidiano, podemos entender mais o que elas oferecem tanto a nós mesmos e para os outros, que são diferentes, contudo são “os mundos” de cada um que podem ou não se entrelaçar e fazer, ou não, parte um do outro.
Sometimes I feel so happy
Sometimes I feel so sad
Sometimes I feel so happy
But mostly you just make me mad
Baby, you just make me mad
Pale blue eyes - The Velvet Underground
Todos nós temos nossos sonhos, nossas dificuldades. A vida não é sempre linda, existe o sofrimento e a dor. A escolha é nossa em querer manter por mais tempo qual desses sentimentos. Assim como o protagonista do filme tem um passado doloroso — que podemos imaginar por alguns poucos diálogos com sua irmã, em certo momento —, em que não era feliz, e que o afastamento desse passado o fez mais tranquilo, onde ele pode fazer e ser como bem quiser, assim sendo feliz à sua própria maneira.
Não se pode deixar de apreciar as coisas bonitas por acharmos que há dificuldades e problemas, afinal, todos os temos. Na humildade de percebermos a vida bela em cada pedacinho do dia e no que nos dedicamos por amor, que conseguiremos olhar para o komorebi dessas vidas.
Às vezes o que se precisa é dar mais vazão aos sentimentos do que às palavras ditas (isso vindo de uma escritora, rs).
Em Dias Perfeitos temos poucos diálogos e eles não revelam nada que não precisemos pensar antes de uma conclusão. Não são dizeres expositivos, são frases simples que nos transmitem até banalidades, mas fazem pensar em uma escala um pouco maior quando paramos para pensar na cena em si e em todo o contexto que elas estão inseridas. Nada da obra é gratuito, tudo faz sentido por inteiro, embora se possa tirar de cada pedacinho um ensinamento simples que pode ser levado para a vida toda.
São os sentimentos que percebemos em cada pessoa que passa pela vida de Hirayama percebidos pelos olhos dele, que temos uma noção do que ele observa e entende de cada um. Para mim é um exercício importante de se fazer pelos dias, interagindo com as pessoas.
Just a perfect day
You made me forget myself
I thought I was someone else
Someone good
Perfect Day - Lou Reed
Há muito mais camadas nessa história, nesse obra-prima que é Dias Perfeitos. Só que cada um pode contemplar e entender muitos outros significados, pois a arte é subjetiva; essa foi um pouco da minha interpretação e sentimentos que tive ao assistir duas vezes e ouvir a trilha sonora incansavelmente.
Nesse momento me sinto bem com o que escrevi e com essa maneira de ver a vida, que vou tentar sempre com mais afinco quando achar que estou me perdendo de novo.
Stars when you shine, you know how I feel
Scent of the pine, you know how I feel
Oh, freedom is mine!
And I know how I feel
It's a new dawn
It's a new day
It's a new life for me
I'm feeling good!
Essa obra de arte me fez refletir sobre meu relacionamento com a natureza, o Tempo e as pessoas. Num pensamento profundo e filosófico do motivo pelo qual somos ligados a esses sentimentos de relação, mas nos afastamos deles ao mínimo de mudanças bruscas em nossa vida que não podemos controlar.
Não sei se deu para perceber, mas eu penso e sinto intensamente as minhas vivências e aprendizados. Escrever é minha maneira de colocar tudo em alguma perspectiva um pouco mais clara. Espero ter sido uma boa influência para quem não assistiu Dias Perfeitos ainda o fizer quando ele estiver disponível. Quem compreender essa obra como magnífica, não vai se arrepender das duas horas em que passou em sua companhia. :)
Até a próxima!
Me deu muuuuita vontade de assistir esse filme agora!!! 🤩
Que delícia de texto! Confesso que estou me segurando para não dar play agora na playlist, mas vou seguir sua dica e ver o filme primeiro!